Entrevista A Beatriz França Vencedora Da 3ª Edição No Limits Challenge
Recentemente estive à conversa com a Beatriz França, vencedora em dupla da 3ª Edição do No Limits Challenge. Não percam a nossa pequena conversa, onde falamos um pouco sobre o CrossFit a nível nacional e não só.
P.C – Antes de mais obrigado pela tua disponibilidade para termos esta pequena conversa. Para os leitores te ficarem a conhecer um pouco melhor, podes me falar um pouco sobre ti, sobre a tua formação, se praticaste algum desporto antes do CrossFit, etc.
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B.F – Tenho 28 anos. Sou médica, estou a tirar a especialidade de Saúde Pública. Gosto muito de me mexer e sempre treinei ou pratiquei algum desporto desde que me lembro. Nadei desde os 4 anos e competi durante uns anos, o que me deu muita estrutura física 😀 Depois joguei vólei até aos 22 anos e ainda cheguei a competir nos nacionais universitários no vólei de praia. Gosto muito de jogar ténis também, apesar de ser um bocado naba.
P.C – Como é que o CrossFit entrou na tua vida?
B.F – De uma forma muito natural. A dada altura percebi que o CrossFit existia e tive amigos a dizerem que eu iria gostar. Experimentei em 2017, gostei muito e inscrevi-me logo. Nunca mais deixei de praticar. Mas lembro-me perfeitamente da sensação da primeira aula: olhar à volta e pensar “Eu nunca vou conseguir fazer estas coisas na vida”. Lembro-me de ficar particularmente chocada com o barulho das barras a bater no chão. Agora gosto muito quando ouço a minha barra a cair ao chão e quanto mais barulho fizer, melhor. 😀
P.C – O que é que te apaixona tanto na metodologia?
B.F – Acho que é mesmo por ser muito capacitante. Eu até achava que tinha uma capacidade física razoável antes de começar, mas a quantidade de “níveis” que desbloqueei entretanto é impressionante. E vejo que não é só comigo, as pessoas no geral vão melhorando muito as suas capacidades físicas. Acho que gosto porque funciona, basicamente. Depois tem a questão da diversidade de movimentos, de estímulos e do desafio, o que também torna interessante a nível mental.
P.C – Faço esta pergunta a todos os meus entrevistados, o CrossFit é mesmo para toda a gente como a metodologia diz?
B.F – É, na medida em que a metodologia prevê que seja adaptado à capacidade de cada um.
Como médica, não posso ignorar a condição de saúde de cada pessoa e penso sobretudo na intensidade, que tem mesmo de ser adaptada. Ou mesmo em relação à mobilidade, que muitas pessoas têm grandes dificuldades quando começam…
Agora, o exercício e o movimento são, sem dúvida para toda a gente, sim.
P.C – Nas minha entrevistas tento desmistificar uma ideia, que acho que ainda hoje em dia muita gente tem erradamente, o CrossFit é perigoso como muita gente pensa?
B.F – Não consigo classificar como perigoso. Certamente não é mais perigoso que um desporto com contacto físico entre os atletas.
Como tudo, tem os seus riscos. Diria que é preciso ir aprendendo as particularidades da modalidade e as suscetibilidades individuais. No início é fundamental a supervisão dos coaches, porque na maioria dos casos ambas as condições estão ausentes. E claro, deixar o ego à porta, o que de facto não é fácil fazer.
Há que estratificar o risco também e pesar o benefício que se pode tirar de cada movimento. Uma HSPU ou subida à corda legless tem um risco diferente de um agachamento. E ao passo que virtualmente toda a gente beneficia de conseguir fazer um air squat, com qualidade porque se traduz num movimento tão básico como sentar e levantar, não sei se alguém precisa mesmo de subir à corda legless para ter melhor qualidade de vida.
Diria também que a intensidade e o volume têm de ser doseados para evitar lesões de overuse. Não pode ser todos os dias “porrada velha”, se não torna-se impossível praticar todos os dias, em segurança e com a progressão que queremos.
P.C – A marca CrossFit tem sofrido grandes mudanças nos últimos anos, como é do conhecimento geral. Os CrossFit Games são a prova disso, com os novos movimentos que foram introduzidos, entre outras coisas. Como é que vês estas mudanças?
B.F – Honestamente não me interessa muito o tópico.
Valorizo muito a marca no sentido em que chega a milhões de pessoas com aquilo que no fundo é uma proposta de estilo de vida saudável (gosto de o ver assim e acho que é, pelo menos, parte da verdade).
O resto é mais secundário e interessa aos atletas mais do que ao comum mortal.
P.C – Vamos falar agora um pouco da nossa realidade, venceste o No Limits Challenge em dupla com a Inês Sousa. O que é que achaste da competição comparativamente com outras em que já participaste?
B.F – Em primeiro lugar, beijinho à Inês que é incrível. Achei vários aspetos positivos: boa organização, o espaço oferecia boas condições, não houve atrasos ou percalços…. Ser apenas um dia também é positivo…. Acho que correu tudo muito bem. Os wods também foram equilibrados e houve competição até ao fim, o que é bom sinal. Recomendo para quem quer um dia passado com esforço físico à mistura.
P.C – O que é que achas que falta, para elevarmos ainda mais o nível das nossas competições?
B.F – [Não consigo bem responder a esta questão, acho que a resposta seguinte mostra um pouco o que penso em relação ao assunto no geral]
P.C – O CrossFit no nosso país tem tido uma boa evolução, já tivemos atletas nos Games, já vamos tendo atletas a competir fora de Portugal com alguma regularidade, e com bons resultados. Na tua opinião, o que é que nos falta para algum dia termos dos melhores atletas do mundo de CrossFit.
B.F – Aquilo que nos falta para todos os outros desportos! Incentivo e valorização da “carreira” desportiva. É preciso remover barreiras à prática desportiva competitiva a começar nas idades escolares.
O CrossFit tem um problema adicional que é o facto de não ser um desporto de facto, não tem uma federação que regulamente a sua prática, nem tem um formato de competição organizado de forma sistemática e paralela nos diferentes países. Sim claro, o OPEN e os GAMES são organizados numa estrutura relativamente bem definida, mas tudo o resto não é. E mesmo os GAMES penso que não têm enquadramento “legal” para nós, ou têm? Quero dizer, alguém que vá aos GAMES vai ao abrigo de alguma “representação desportiva do país” ou algo do género? Duvido que seja assim, uma vez que toda a modalidade em termos competitivos é ditada apenas por uma empresa/marca. O Crossfit não tem o enquadramento de qualquer um dos outros deportos e tudo isso vão ser barreiras para a progressão da modalidade e para a formação de atletas.
Sinceramente, também duvido que venhamos a ter devido à natureza da modalidade. O “constantly varied” torna um bocado difícil de definir quais são as regras do jogo. Todos os anos vamos tendo movimentos novos ou pequenas alterações aos standards dos movimentos, o que não é comparável com um atletismo, por exemplo, em que as provas vão sendo mais ou menos constantes ao longo de muitos anos. O facto de a competição a cada ano também ser totalmente diferente também dificulta a comparação da prestação dos atletas a cada ano e mesmo de perceber a evolução do desporto. Não acho que tudo isto seja negativo , mas dificulta o enquadramento do CrossFit como um desporto à luz daquilo que é a definição atual.
P.C – Para terminar, queres deixar algum conselho ou consideração, lema de vida, o que preferires aos leitores.
B.F – “Movement is medicine” – Depois de dormir, comer bem e hidratar, mexer é sem dúvida o melhor que podemos fazer pela nossa saúde física e mental.
“Consistency is key” – Somos o resultado das pequenas coisas que fazemos todos os dias. Acho que é importante aparecer todos os dias, sabendo perfeitamente que nem sempre vão ser dias bons, mas o progresso vai aparecendo.
P.C – Muito obrigado Beatriz por disponibilizares algum do teu tempo para esta pequena conversa, sobre a metodologia que tanto gostamos.