Qual o atual estado do CrossFit em Portugal?
O Planeta Crossfit esteve mais uma vez à conversa com o Artur Sayal, desta vez falamos um pouco sobre o estado do CrossFit em Portugal. Nesta pequena conversa falamos um pouco sobre o Open, sobre os novos valores do CrossFit nacional, sobre a abertura de boxes, etc. Não perca já a seguir a entrevista!
P.C – Antes de mais obrigado por mais uma vez dispensares algum do teu tempo para conversarmos um pouco. O Open de Crossfit está aí à porta e por norma alguns dos nossos melhores atletas participam, achas que os resultados deste ano vão ser melhores que o ano passado?
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A.S – É sempre uma honra falar com o Planeta CrossFit, e como já o disse em conversas anteriores, é de louvar espaços como este para expor assuntos relacionados com o CrossFit.
Quanto ao Open, eu considero que os resultados de 2017 foram muito bons, tivemos nas mulheres luta até ao 17.5 com a Joana Tomás e a Carina Simões a fazerem 204º e 198º lugar Europa, nos homens João Ferreira 85º; Bruno Militão 90º; André Teresinho 97º; Nelson Costa 124º; Pedro Bartolo 171º; José Gregório 175º, Francisco Godinho 182º; Diogo Serra 197º, são 8 atletas no TOP 200 da Europa, Nas equipas a CrossFit Alvalade fez 50º Lugar, considero que no geral foi o melhor OPEN de sempre.
Respondendo objectivamente à pergunta, o OPEN mudou e muito, a nossa região será reduzia aos países do sul da Europa, assim por alto, falamos de Portugal, Espanha, França, Suiça e Itália, mais alguns países de menor relevo no panorama do CrossFit Europeu.
Não há como não assumir que é uma região mais acessível, não teremos UK, nem os países nórdicos que por norma têm muitos e bons atletas. Há 20 vagas para homens, 20 para mulheres e 15 para equipas nesta região, para depois ser agregada a África e Médio Oriente. Fazendo um pequeno exercício de excluir as equipas que ficaram à frente da CrossFit Alvalade em 2017 que já não estarão na nossa região, ficaríamos em 12º lugar, logo dentro dos lugares de apuramento.
Claro que vale o que vale, não será fácil, mas será mais fácil.
P.C – O que é que achas que falta para termos atletas Portugueses a participar nos Regionals e quem sabe nos CrossFit Games?
A.S – Já tivemos atletas Portugueses nos Regionais, mas percebo a tua pergunta.
Eu tenho uma grande esperança que 2018 seja “o ano”, por vários motivos.
1º- A curva evolutiva dos atletas portugueses está a aproximar-se da dos outros países do sul da Europa, basta lembrar provas em 2013/2014 que sempre que um atleta desses competia frente a algum português, a diferença era abismal, em 2016/2017 assistí a vários WODs onde alguns atletas Portugueses se bateram de igual para igual e até venceram WODs a atletas de Regionais.
2º- Há cada vez melhores treinadores e os atletas que eram bons estão a treinar cada vez mais e melhor, conheço todos os grandes atletas portugueses, sigo-os, falo com eles, treino com alguns, cruzo-me regularmente com eles e não há comparação o nível de treino de um TOP 10 actualmente, comparando com um TOP 10 de 2012. O trabalho dá frutos e os atletas portugueses estão a começar a entrar nas contas para o TOP 20 da nova região.
3º- Exactamente essa nova região, como já referi anteriormente, vai abrir reais hipóteses para 2 ou 3 equipas andarem a disputar o TOP 20, qualquer atleta que tenha feito TOP 10 no Open de 2017 tem legitimidade para encarar este Open com possibilidade de ser apurado para Madrid e além desses de TOP 10 tenho umas 3 ou 4 apostas que serão grandes “surpresas” no Open…
Quanto aos Games, acho que ainda é cedo, em Junho vou ver atletas Portugueses na arena da Caja Mágica, vamos desfrutar desse grande fim de semana, esperar que sejam até mais que 1 e ver como se dão. Os Games podem esperar.
P.C – Temos muitos atletas jovens que já estão a começar a dar cartas nas competições nacionais, e mesmo internacionais. Como coach como é que tens visto a evolução destes jovens atletas?
A.S – Acho que é uma evolução natural, temos cada vez mais boxes de qualidade, cada vez mais treinadores e por consequência mais atletas. Tenho atletas de 18/20 anos a aprender as coisas de base, com todo o trabalho a ser feito do zero, em 2012 andávamos a ver vídeos de youtube. Quando um atleta com talento, é bem acompanhado, tem tempo para treinar e é paciente, vai chegar ao nível dos melhores. Acho que temos uns 10 atletas com menos de 23 anos com tudo para serem referências na Europa do Sul muito brevemente.
P.C – Falando agora mais num plano interno, nos últimos anos tens marcado presença nas melhores competições nacionais de Crossfit. O que é tens a dizer sobre as organizações, e o que achas que poderia ser melhorado?
A.S – É um tema difícil, mas acho que tenho legitimidade para falar, já assisti, já participei, já fui juiz, já organizei e conheço quase todos os diretores de provas do país. Todos se queixam do mesmo. As provas não geram receita, quem as organiza e repete edições, é por gosto pela modalidade. Há falta de apoios, não é suficiente contar com a Prozis, a Boxpt, a Rocktape, a Nauti4 entre outras que mesmo sabendo que não vão ter grande retorno se mantêm fieis ás organizações. São preciso outros tipos de apoios, chegar aos municípios, ou a grandes empresas que tenham como missão dinamizar eventos desportivos.
Depois creio que seria utópico mas ideal, haver diálogo entre as organizações para definir calendários com 8/10 meses de antecedência e não acontecer em Janeiro ainda não estarem as provas de 2018 definidas.
Não sei até que ponto é benéfico haver tantas provas num país tão pequeno, acho que as provas se estão a “matar” umas ás outras, quando poderiam haver negociações para unir projetos e ter provas melhores. Tenho quase a certeza que nenhuma prova em Portugal deu lucro em 2017… isso diz tudo.
P.C – Também tens competido a nível internacional, comparando os wods das competições internacionais em que participaste com os das nossas competições. Achas que os wods elaborados nas nossas competições poderiam ser mais desafiantes, ou têm sido bem elaborados para o nível dos nossos atletas?
A.S – A maior diferença está nas infraestruturas que as organizações têm ao seu dispor e não tanto os WODs em si. Com excepção dos Community Summer Games, a melhor prova nacional na minha opinião, todas as outras provas tem estado limitadas a um pavilhão ou ás vezes metade. Aos poucos vão começando a recorrer a espaços exteriores e piscinas, mas quando olhas para as melhores provas da Europa isso é uma realidade já de há muitos anos.
Eu falo por mim, é cansativo um sábado e um domingo fechado num pavilhão das 8h ás 20h, para quem gosta de CrossFit é aborrecido, para quem vai ver o que é CrossFIt pela 1ª vez é enfadonho. As provas tem de ser atrativas, o público tem de perceber o que está a acontecer, quem vai na frente, quantas reps fez, qual o tempo, etc.
P.C – No ano passado tivemos o Portuguese Showdown onde estiveram alguns atletas internacionais em competição. Achas que temos condições para organizar um “Mega” evento onde pudessem estar presentes os melhores atletas do mundo de CrossFit?
A.S – Os melhores atletas do mundo não saem de casa para vir disputar prize moneys de 400/500€, já há portugueses que por esses prize money olham de lado para as organizações. Ou há um patrocinador que trás atletas de nível médio (atletas que lutam pelo apuramento dos Regionais) ou então nem esses conseguimos atrair.
Falando dos melhores do Mundo, eles vão atrás de provas com Prize Money 10x superiores aos nosso em Portugal. Sinceramente acho que não há organização/apoios para organizar uma prova com esses valores.
P.C – É inegável que o CrossFit é a modalidade de Fitness do momento, está a ter um boom impressionante um pouco por todo o mundo. No nosso país estão a abrir boxes um pouco por todo o lado como quem “abre cafés”, não temes que a oferta comece a ser maior que a procura?
A.S – Neste momento temos 93 Boxes afiliadas e talvez umas 120 não afiliadas, em 2012 havia 1… Neste momento temos 10 a 12 mil praticantes de CrossFit em Portugal. Foi um crescimento muito rápido e como todos os crescimentos rápidos, há riscos. Acho que há pessoas que arriscam e abrem uma box sem fazer um plano de negócio, eu não o faria. Gerir um espaço de treino é muito mais que ser Coach. Acho que quem não tiver capacidade de gestão da sua box, só tem dois caminhos, ou de facto tem muitos alunos, muita procura e mesmo sem estratégia o negócio corre bem, ou então passado 18/24 meses vão olhar para as contas e têm de fechar a porta.
Eu estudei gestão a um nível básico na faculdade, mas não me atreveria a gerir uma box sem ajuda de algum entendido. Eu vejo-me como treinador e por vezes temos uma visão em túnel que afecta a gestão da box. Eu quero ter 16 caixas, 16 barras, 100Kg para cada barra, 16 bolas medicinais, mas se quem faz as contas me diz que não estou a gerar lucro para adquirir mais material, talvez seja melhor esperar, mesmo que essa pessoa que faz as contas não saiba o que é um burpee.
Acho que é muito fácil abrir uma box, mas o dificil é manter a box em todos os aspectos: Coaching, Programação; Limpeza; Material.
P.C – Para dar aulas numa box basta ter o Level 1 de CrossFit, não temes que com esta abertura em massa de boxes os coachs comecem a “escassear”, e as boxes procurem profissionais menos qualificados para dar aulas?
A.S – Esse é um tema quente e muito polémico e até te vou corrigir… Nem o Level 1 é necessário. Pelo pouco que sei da lei, estamos a funcionar na sombra da mesma, não há fiscalização, ou se há é muito reduzida, nem para os espaços nem para os treinadores e nesse aspecto eu gostava que algo mudasse. O Level 1 que é um certificado privado de uma marca americana, não pode estar acima da Cédula Profissional que é um documento Oficial para técnicos de desporto em Portugal.
É um tema que facilmente gera conflitos e eu prefiro não dar mais razões para conflitos, mas se chegassem a um Advogado/Dentista/Arquiteto e antes de ser atendido lhe fosse dito que essa pessoa não tinha habilitações para exercer a profissão, acho que não optariam por recorrer a essa pessoa.
P.C – O CrossFit é mais que uma moda como algumas pessoas ligadas a outros programas de Fitness querem fazer passar. Portugal é um País que culturalmente em termos desportivos “só liga ao futebol”. Achas que o CrossFit em Portugal daqui a alguns anos possa perder um pouco do “fulgor” que está a ter no momento?
A.S – Eu já oiço isso há 6 anos, acho que se calhar podemos concorrer ao Guinnes como a “Moda” mais longa na história da humanidade, essa “Moda” já tem mais de 10 anos, será que vale a pena continuar a dar ouvidos a quem continua na fase da negação?
Acho que pode haver um abrandar de novas boxes, mas não creio que o CrossFit jamais saia do mundo do fitness mundial.
P.C – Desde já obrigado por mais uma vez perderes algum do teu tempo para conversarmos um pouco sobre esta modalidade que tanto gostamos. Queres deixar alguma nota final, consideração, afirmação, etc, sobre o estado do CrossFit em Portugal?
A.S – Acho que estamos a passar uma fase muito importante, algumas boxes estão a fazer 3/4 anos, alguns Coach já tiveram de renovar o seu titulo de Level 1 (5 anos), é altura de perceber que não é por abrir uma box do outro lado da rua que são meus inimigos, há 12 mil pessoas em portugal a fazer CrossFit, há Milhões de pessoas sedentárias que não fazem actividade física. Ofereçam o melhor serviço, melhor coaching, melhor programação, não se queiram distinguir pelo preço, esse é o caminho mais fácil mas não o melhor a longo prazo.
Obrigado eu por mais essa oportunidade, e vamos-nos falando e vendo por esses eventos de norte a sul e ilhas.